quarta-feira, 26 de agosto de 2009

É o CORDEL, unindo arte e poesia




Profª Maria do Carmo R. Procaci Santiago


O cordel, esse gênero tão brasileiro e popular de poesia, não é uma invenção nossa. Essa literatura, que tem o nome de cordel porque os folhetos ficavam pendurados em cordões nos locais de venda, foi trazida por portugueses e espanhóis. Sua origem remonta à Idade Média quando nas praças, os trovadores divulgavam velhas histórias, especialmente, os romances de cavalaria que contavam as epopéias do rei Carlos Magno e dos Doze Pares de França ou de Amadis de Gaula.

Narrativas de amor, guerra, heroísmo, viagens e conquistas marítimas, além dos fatos mais recentes do dia-a-dia, eram os temas preferidos do público. Por volta dos séculos XVI e XVII , trazidas para o Brasil, as histórias eram decoradas, transmitidas de forma oral e enriquecidas pela memória do povo. Aqui, o cordel chegou junto com os colonos e encontrou um solo fértil. Tanto que até hoje é uma tradição forte e viva, principalmente no Nordeste do país e continua sendo uma das formas de comunicação mais autênticas nas pequenas cidades daquela região.

Quando não havia jornais, rádio ou televisão, a poesia popular ocupou esse espaço por meio de cantorias e, mais tarde, também através da forma escrita, os folhetos eram impressos, ilustrados em tipografias rústicas e vendidos nas feiras pendurados em cordões. Ficavam prontos em poucas horas. Assim que um fato relevante acontece - como a vitória do Brasil em uma Copa do Mundo, a morte de alguém famoso, secas, uma grande enchente ou mesmo um caso de adultério-, os cordelistas produzem um relato extra-oficial, popular e poético dos fatos. Temas como a história do Brasil, de lutas, de assombrações, de fé são, também, comuns na literatura de cordel. E outro assunto muito divulgado nessa literatura são as dificuldades enfrentadas pelo povo nordestino.

Ariano Suassuna, autor de O Auto da Compadecida, e que é também um dos maiores estudiosos da nossa cultura, classifica em dois tipos a poesia popular do Nordeste: o tradicional, com as narrações sobre heróis, amores, religião e outros e o improvisado, cujos versos são criados no calor da hora pelos cantadores, muito comum principalmente nos desafios.

Os cordéis são conhecidos pelo povo apenas como folhetos que são feitos de papel jornal e impressos em gráficas antigas; na capa, geralmente, trazem desenhos bastante simples, muitas vezes em xilogravura. Esta arte alcançou tal destaque que muitos xilogravuristas se tornaram tão famosos quanto os autores dos versos. Artistas como os pernambucanos J. Borges e Gilvan Samico são conhecidos em todo o mundo.

Os folhetos de cordel possuem um número variável de páginas: 8, 16, 32 ou 48. Os dois primeiros tipos são geralmente destinados a contar algo ocorrido na região, os chamados versos noticiosos. Os mais longos são os romances, que narram histórias de ficção ou da carochinha. Os versos são escritos em sextilhas- estrofes de seis linhas, com sete sílabas cada uma. Raramente também são escritos em septilhas ou décimas.

Os cantadores sertanejos atravessam grandes distâncias, movidos pelo prazer do enfrentamento.Quando tem início a peleja, ou desafio, cada um, viola em punho, improvisa seus versos a fim de derrotar o outro. Um duelo poético que surpreende e encanta o público, que acompanha atentamente a disputa. Nessa “luta”, as armas que valem são a imaginação, a rapidez do pensamento e a habilidade com a palavra.

O desafio começa com cada um dos cantadores puxando a brasa para a sua sardinha. Fazem, na apresentação, o auto-elogio, contando seus feitos e bravatas, e criticando o adversário. O tom jocoso é muito usado, divertindo os que assistem à disputa. Depois, os poetas louvam às pessoas presentes: a dona da casa, suas filhas, etc. É só um aquecimento para a peleja, que prossegue cada vez mais acirrada, até a derrota de um dos participantes.O improviso corre solto e os desafios podem durar horas, até noites inteiras.

A literatura de cordel nos passa muitos ensinamentos e nos prova uma coisa: que o talento não se ganha na escola, e mesmo com uma vida difícil, como a dos nordestinos, é possível se tornar um grande trovador e poeta de nossa cultura. Temos como exemplo o nosso Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré.

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